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Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) estão investigando um surto que parece ser uma manifestação distinta do zika no bairro de Olinda, em Nilópolis. E não descartam casos de coinfecção (duas das doenças ao mesmo tempo) e reincidência (quando o paciente volta a ter o vírus). Alguns dos doentes sofrem dores muito fortes. E apresentam sintomas menos frequentes no zika, como dores e inchaços articulares, mais intensos dos que os observados em outros lugares.
— No início, pensamos se tratar principalmente de chicungunha, devido às dores fortes, ao inchaço nas articulações e à duração. Além disso, pessoas relatam ter adoecido duas vezes — conta o chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, Amílcar Tanuri, um dos maiores especialistas do Brasil em retrovírus, como o zika.
Os primeiros 15 exames de urina analisados na UFRJ, porém, revelaram o zika. E um deles, o chicungunha.
— Estamos no início. E ali há tantos doentes e mosquitos, que pode haver casos de zika, dengue e chicungunha. Nos preocupam os casos de possível reincidência de zika, em que a pessoa manifesta sintomas mais de uma vez e a doença parece se tornar crônica. Não sabemos como o zika escapa do sistema de defesa do organismo, e esses casos tornam as coisas mais complexas — diz Tanuri.
Ele e sua equipe souberam dos casos em Olinda graças a uma iniciativa de Alan Menezes, mestrando em ciências farmacêuticas da UFRJ. A mãe de Alan adoeceu duas vezes, supostamente de zika. Outros parentes e vizinhos também caíram doentes. Todos sofrem com as dores e o desconhecimento.
— Li a respeito das pesquisas do professor Tanuri e o procurei. Estamos procupados porque ninguém sabe que doença é essa. Sobram mosquitos nos terrenos abandonados. A situação é calamitosa. É nosso dever colaborar — frisa Menezes.
Tanuri se preocupa com o que viu em Olinda:
— Fiquei assustado com a situação lá. Não sabemos quantos casos são de reincidência, de coinfecção ou de infecção em sequência (a pessoa contraiu um vírus e depois outro). Além disso, o zika parece estar se manifestando de forma diferente. E há muito mosquito, isso tem que ser combatido — diz Tanuri.
Um dos casos já analisados pela UFRJ é o do estudante Álvaro Paiva Soares, de 15 anos. Ele teve o zika identificado na urina. Já não apresenta sintomas, mas sofreu com estes duas vezes. A primeira no meio do ano passado.
— Agora estou bem. Mas no início de janeiro a doença voltou e muito pior. Fiquei mal, com muita dor e todo pintado — conta Álvaro.
O teste de PCR revelou que o zika continua em sua urina. Sua avó Eclair de Campos Soares, de 76 anos, está doente há 15 dias. Ela anda com dificuldade, e as articulações estão inchadas.
— Tive dengue nos anos 90 e não foi assim. Agora dói muito mais. As pragas do Egito não são nada. Esta praga que temos aqui é pior — lamenta.
Álvaro e Eclair moram em frente a Cristóvão, de 49 anos, que se desespera com os dias em que ficará sem trabalhar:
— Sou vendedor, trabalho na rua. Se não ando, não ganho dinheiro. Aqui está todo mundo doente. Há terrenos abandonados no bairro, os mosquitos vêm de lá.
Os terrenos ficam próximo a uma fábrica fechada e repleta de detritos. Perto deles mora a advogada Tânia Sandrini, de 64 anos. Ela adoeceu em 16 de fevereiro, ficou duas semanas sem sair de casa e ainda não se livrou das dores.
— Não consigo subir escadas direito. Perdi a firmeza dos tornozelos. Até dirigir está difícil. Mantenho minha casa livre de focos e acho um absurdo ficar doente porque Olinda está infestado por mosquitos — diz.
A alguns quarteirões da casa dela, a doceira Sigria de Azevedo, de 58 anos, se esforça para colocar uma fôrma de bolo no forno.
— Minhas mãos ainda doem. Tenho dois filhos e garanto que a dor no auge da infecção é pior do que a do parto — diz ela.
Sigria ficou mal pela primeira vez em 22 de janeiro. Passou 20 dias com dores. Melhorou por dois dias, e os problemas voltaram. Está melhor agora, mas continua com inchaço. O marido e um dos filhos também adoeceram.
Vizinho de Sigria, José Luiz Ferreira, de 57 anos, ficou doente no carnaval. O médico lhe disse que tinha dengue. Há 15 dias piorou. Desta vez, foi ao Posto de Saúde Nova Olinda. Lá ouviu que tinha chicungunha. A enteada, Bárbara, teve diagnóstico igual. A neta de 9 anos, o de zika. A mulher de José Luiz e o enteado foram informados de que contraíram dengue.
A poucos metros deles, mora Maria Madalena Lima de Souza. Grávida de quatro meses e com dores nas articulações, ela procurou um médico. E ouviu que não tinha nada:
— Disseram que era da gravidez.
O chefe de Gabinete da Prefeitura de Nilópolis, informou que o município tem feito o controle dos focos. Mas que não pode recolher carros abandonados — um problema na cidade —, apenas multar os proprietários.
Fonte: O Globo