Como verdadeiros cavaleiros do apocalipse, muitos motociclistas trafegam nas ruas de Nilópolis como se não encontrassem barreiras pela frente: cortando veículos, subindo calçadas e fazendo ziguezague e os mais incríveis malabarismos nas ruas. Para eles, não há limites nem regras. Imprudência é a palavra de ordem. O que parece ser o enredo de um filme, é na verdade o dia-a-dia de quem mora ou apenas usa as ruas de Nilópolis como passagem.
As consequências são trágicas e apesar das autoridades ainda não tratarem assim, para especialistas, o problema já pode ser considerado como de saúde pública. Alta velocidade, não uso do capacete, ingestão de bebida alcoólica e falta de habilitação específica são os fatores que levam os acidentes a atingirem índices alarmantes no município.
Em Nilópolis, quase 70% das pessoas que se ferem em acidentes de trânsito estavam conduzindo motocicletas, motonetas, ou similares. E esse número pode ser até maior, já que nem todos os acidentes que acontecem em Nilópolis são registrados pelas autoridades. De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), o número de acidentes com vítimas fatais, registrados pela Polícia Civil no município, teve um aumento de 60% no comparativo entre janeiro de 2023 a dezembro de 2023 e o período anterior, ou seja, janeiro de 2022 a dezembro de 2022. Já os acidentes sem vítimas fatais teve um crescimento de 31,8% no mesmo período. Ao todo foram feitos boletins de ocorrência para 149 acidentes em 2023 e 112 em 2022.
“É um número preocupante, estamos falando de uma cidade pequena, onde é de conhecimento de todos nós, que nem todos os acidentes são registrados na Polícia Civil, principalmente aqueles onde não há vítimas. Acredito que esses números não representam nem 50% do número de acidentes que de fato ocorrem em Nilópolis”, disse o especialista em Trânsito e Mobilidade, Ailton Mendonça.
Prejuízo para sociedade
A falta de educação dos motoqueiros também enche os leitos dos hospitais e compromete as finanças públicas. Por baixo, são gastos R$ 14 mil por mês com cada paciente, sem contar a internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou exames mais complicados. O problema é que as consequências de um acidente com moto são traumas graves com permanência de, no mínimo, um mês internado, podendo chegar a seis meses.
De acordo com o médico traumatologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), Ronaldo Silva Oliveira, as ocorrências com motos deixam sequelas graves, como a perda da locomoção, e requerem cirurgias de grande porte.
“São acidentes de alta energia que podem causar qualquer tipo de trauma, desde os mais graves, como o traumatismo craniano, até as fraturas”.
Além disso, ocorrem também as perdas ósseas e lesões musculares. As fraturas mais comuns são as dos membros inferiores. Com isso, os acidentados passam muito tempo afastados de suas atividades, causando prejuízo aos cofres públicos.
“E quem paga por isso é toda a sociedade. É dinheiro que poderia ser investido na própria saúde, isso sem contar no tempo que a vítima ocupa um leito, que poderia estar sendo ocupado por outras pessoas. E não estamos levando em consideração as licenças que são pagas aos trabalhadores que precisam se ausentar do trabalho em decorrência dos acidentes. É prejuízo para todo mundo”, completou o especialista.
As consequências de ser imprudente no trânsito não param por aí. Os danos pessoais são ainda maiores. O professor Lúcio Mesquita reconhece que a desatenção lhe custou alguns meses de internação. Com isso, ele aprendeu a dar mais valor à vida. O acidente ocorreu em 2006, quando sua moto se chocou contra outra motocicleta.
“Tive fratura exposta do fêmur e perdi massa óssea. A sequela física que ficou do acidente foi a perda de 4,5 centímetros em uma das pernas. Foram dois meses internados e mais um se recuperando em casa. Como ganhava por hora trabalhada, passei a depender de familiares para o meu sustento”, contou.
O aumento da frota de motocicletas também é um agravante. Segundo o IBGE, em 2022, foram emplacados em Nilópolis 60.089 veículos, destes 12.573 são motocicletas, motonetas, ciclomotores, quadriciclos ou triciclos. Em 2021 eram 58.906 veículos registrados, sendo 11.678 motocicletas, motonetas, ciclomotores, quadriciclos ou triciclos.
Ações governamentais
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em vigor desde 1998, compete aos órgãos e entidades dos municípios a gestão do trânsito. Em Nilópolis a responsabilidade é da Secretaria Municipal de Transporte. Além de fiscalizar, o órgão promove campanhas educacionais com a finalidade de conscientizar os motoristas, mas reconhece que a população deveria ser mais consciente e respeitar as leis.
“É humanamente impossível conseguir fiscalizar todas as vias, nossos agentes de trânsito trabalham para impedir que mais acidentes aconteçam em virtude do desrespeito às leis, mas a sociedade precisa colaborar. Todo mundo que tira habilitação sabe das leis ou deveria saber. O que nos impressiona é que todos os dias é divulgado na imprensa e nas mídias casos de acidentes em decorrência da imprudência e mesmo assim encaramos pessoas que insistem em agir de forma errada”, lamenta o coordenador de Educação Para o Trânsito de Nilópolis, Nilton Marques.
Ainda de acordo com Marques, apesar de ainda haver muitos imprudentes, o trabalho de conscientização realizado nas ruas pelos agentes está dando resultados:
“Como já foi dito, não é possível manter agentes em todo o lugar, mas quando um dos nossos colegas flagra um motociclista cometendo alguma infração, ele é orientado inicialmente para corrigir a falha, isso de certa forma está dando resultado, e aqueles que não entendem o nosso papel de educar e conscientizar, agimos conforme a lei. Aproveito para pedir, pensem mais nas suas famílias, não se arrisquem, conduzam seus veículos com responsabilidade”, disse o secretário de Transporte, Ricardo Gallego Jr.
A Secretaria de Transporte informa ainda, que neste ano estão previstas campanhas de conscientização e educação para o Trânsito, principalmente com foco nos motociclistas:
“Nosso trabalho é continuo e neste ano já estamos preparando ações durante o ano todo”, concluiu o secretário.
Parcerias
Além da Secretaria Municipal de Transporte, a Guarda Civil Municipal, o Programa Segurança Presente e as polícias civil e militar, também atuam buscando reprimir os crimes cometidos pelos motociclistas. Motos sem placa ou adulteradas são constantemente apreendidas no município, a maioria é produto de furto ou roubo. As ações incluem a realização de blitzes e o patrulhamento ostensivo nas ruas.
O outro lado
Mas vale ressaltar que nem todos os motoqueiros são imprudentes e que muitos motoristas que conduzem automóveis descumprem a lei, porém a motocicleta não oferece proteção adequada ao usuário. É insegura e instável, o que requer prudência.
O maior risco é a alta velocidade. Uma colisão a 60 quilômetros por hora equivale a mais ou menos uma queda de 14 metros de altura. Já a batida a 80 quilômetros por hora corresponde à queda de 24 metros, equivalente a um prédio de oito andares.
“É a lei do mais forte, não dá para querer igualar uma motocicleta a um caminhão, por exemplo. Da mesma forma que o ciclista também não pode achar que tem a mesma velocidade e agilidade de um motociclista. A motocicleta ainda tem o problema de não ser vista, tanto pela agilidade, quanto pela silhueta. Todos tem o seu espaço, basta que haja respeito. Tem muito motociclista correto e que respeita as leis e normas de circulação, mas infelizmente uma parcela ainda acha que é super-herói. A imprudência costuma deixar muitas viúvas”, resumiu Ailton Mendonça.