Uma das mais tradicionais empresas de ônibus da Baixada Fluminense, a Cavalcanti & Cia., que opera sob o nome fantasia Nilopolitana, está deixando seus usuários revoltados. O número de reclamações, que já era elevado, aumentou após a empresa ser incorporada pelo grupo proprietário das empresas Transportes Blanco e UniRio.
A Nilopolitana, responsável por linhas intermunicipais que ligam os municípios de Mesquita, São João de Meriti, Duque de Caxias, Queimados, Nova Iguaçu e Nilópolis, sendo esta última a cidade onde também opera duas linhas municipais, tem enfrentado queixas em praticamente todas as suas rotas.
A principal reclamação dos usuários é sobre o estado de conservação dos ônibus. Apesar de estarem equipados com aparelhos de ar condicionado, a maioria circula com os equipamentos desligados. Segundo informações, a última compra de veículos novos foi feita em 2017, e desde então, apenas ônibus seminovos foram adquiridos.
“Os ônibus estão em péssimo estado, quebram toda hora e a sujeira é muito grande também. Só estão pintando por fora, mas por dentro estão muito ruins, não tem conforto nenhum”, declarou Janaina Rocha, operadora de caixa.
Janaina, residente no bairro Olinda, relatou ter trocado de ônibus várias vezes devido a avarias frequentes.
“Não foi uma ou duas vezes, já perdi as contas das vezes em que a viagem teve que ser interrompida por causa de problemas nos ônibus. Fico com pena dos motoristas que sofrem demais”, contou a operadora de caixa.
No passado, a Nilopolitana já teve uma das melhores equipes de manutenção da Baixada Fluminense. Contudo, após a venda da empresa, muitos funcionários foram dispensados e agora a manutenção é compartilhada com outras empresas do grupo Transportes Blanco, como revelou um motorista que preferiu não se identificar por medo de represálias.
“Antigamente o pessoal da manutenção dava conta, eram exclusivos da Nilopolitana, hoje os ônibus que a gente dirige vai para uma fila onde também tem ônibus da Blanco e da UniRio, e nem sempre eles dão conta.”
Além dos problemas de manutenção, os passageiros também enfrentam horários irregulares e viagens canceladas. Para alguns, como a vendedora Luciana, que depende da linha 428I para trabalhar em Comendador Soares, em Nova Iguaçu, a situação é crítica.
“No início me programava para sempre pegar o ônibus que passava na porta da minha casa às 9h50. Hoje, virou uma bagunça total, ou o ônibus passa antes ou muito depois. Não dá para confiar. Pior ainda na volta que, às vezes, falta ônibus e o despachante cancela a viagem”, relata.
O designer Vinicius Santos, que mora em Vilar dos Teles, São João de Meriti, e usa a linha 429I (Duque de Caxias x Queimados) diariamente, compartilha a mesma frustração.
“Estou no ponto e quando vejo o ônibus já fico feliz, mas muitas vezes está escrito Nilópolis no letreiro. Isso acontece com muita frequência e às vezes demora mais uns 20 minutos até vir o ônibus que me leva até Mesquita. Absurdo isso, a empresa não pode simplesmente fazer o que quer. Se a linha é até Queimados, que se cumpra o itinerário”, reclama.
Motoristas no Limite da Paciência
Como os usuários não conseguem reclamar diretamente com a diretoria da empresa, motoristas, despachantes e fiscais sofrem diariamente com as queixas, o que acaba prejudicando o tratamento dispensado aos passageiros. Vanessa Saldanha, moradora de Nova Cidade e trabalhadora em Queimados, que usa diariamente os ônibus da linha 429I, destacou que, devido às más condições, os motoristas acabam sendo grosseiros com os passageiros.
“Não estou aqui para culpar ninguém e sei muito bem do stress que é trabalhar dirigindo, mas os motoristas da Nilopolitana ainda têm que conviver com passageiros reclamando dos atrasos e com os próprios ônibus que são muito ruins. Tudo isso somado faz com que o profissional acabe sendo rude com os passageiros”, explicou Vanessa.
A situação relatada por Vanessa também foi vivida por Danielle Jesus, residente em Edson Passos, Mesquita. Ela contou que, numa sexta-feira de manhã, na ponto em frente à estação do bairro, o motorista exigia que as pessoas entrassem no ônibus com mais rapidez.
“O ônibus estava atrasado, já faziam mais de 30 minutos que não passava um 429 e, para muitos passageiros, não havia outra opção. Mesmo com o ponto lotado e até mesmo com duas pessoas idosas, o motorista ameaçou arrancar com o ônibus mesmo com as pessoas embarcando”, relatou Danielle.
Linhas Municipais em Situação Pior
Se a situação das linhas intermunicipais é ruim, para quem mora em Nilópolis e precisa usar as duas linhas municipais da empresa, a situação é ainda pior.
Tanto a linha 001 quanto a 002 são alvo de muitas reclamações. A linha 002, que liga o bairro Manoel Reis ao Centro de Nilópolis, enfrenta problemas mais graves, já que é a única linha de ônibus que atende ao bairro.
“Hoje só temos o ônibus Manoel Reis das 6h às 19h. Fora desse horário, ou vamos a pé ou pagamos mais caro nos carros de aplicativo ou mototáxis. A empresa nunca foi das melhores, mas tínhamos ônibus até 23h pelo menos. E até mesmo nos finais de semana, havia mais horários, hoje ele só circula nos sábados e domingos a partir das 10h e o último passa 18h”, relata o professor Jayme Cunha.
No bairro Nossa Senhora de Fátima, a situação é um pouco melhor. Desde 2023, graças a uma solicitação do vereador Leandro Hungria (PL), o bairro passou a ser atendido pela linha intermunicipal 138I (Duque de Caxias x Nilópolis), dando aos moradores mais uma opção de transporte. No entanto, quem precisa se deslocar para os bairros de Olinda e Cabral ainda depende da linha 001 (Mirandela x Cabral).
“Até que agora temos mais uma opção, mas a 001 ainda é a única que faz a ligação com o Fórum, em Olinda, por exemplo. O problema maior aqui é que a empresa tirou os horários após as 19h. O último passa 19h30, depois não tem mais. Acho que o problema maior é esse, pelo menos retornar com esses horários e também nos domingos, às vezes não tem ônibus”, relatou Francisco José.
A situação dos ônibus nas linhas municipais reflete a mesma precariedade das linhas intermunicipais.
“Tudo sujo e caindo aos pedaços. Não tem nada de bom nesses ônibus. A situação só vem piorando”, descreveu Francisco José.
Redução da Demanda
João Vicente, especialista em transportes, acredita que os problemas relatados pelos usuários podem estar relacionados à redução da demanda de passageiros. Ele explica que o setor está passando por uma crise sem precedentes na história do Brasil.
“Com a chegada dos aplicativos de transportes, como o Uber e o 99, além da facilidade na aquisição de veículos, a falta de fiscalização dos serviços ‘piratas’ e a falta de regulamentação dos serviços de mototáxis e vans, as empresas de ônibus tiveram uma queda brusca nas suas receitas. A Nilopolitana também acabou absorvendo linhas de outras empresas, como as que ligam Nilópolis à Central e a Barra da Tijuca. São linhas que a empresa não estava acostumada e precisou fazer um grande investimento na compra de ônibus e na contratação de profissionais. Tudo isso tem um custo e acabou prejudicando a empresa, tanto que levou à venda por parte da antiga diretoria. Acredito que os novos gestores estejam buscando se readequar e isso acaba penalizando o usuário. Se em uma linha havia 15 ônibus em 2000, hoje a linha deve ter no máximo 10. Tudo feito para compensar a redução da demanda”, explicou.
Solução
O especialista sugere que a solução, não apenas para a Nilopolitana, mas para todo o setor de transporte, é se reinventar e buscar diálogo com o poder concedente para juntos melhorarem o cenário.
“O setor está quebrando e se faz necessário que haja um consenso em busca de uma solução. O poder concedente deve entender que não é apenas substituindo uma empresa que vai consertar o problema e sim buscar entender o motivo daquele problema existir. A Nilopolitana hoje tem linhas municipais que concorrem com os aplicativos e mototáxis. Infelizmente esses itinerários não são mais rentáveis de modo que a empresa consiga se manter. Para as linhas Manoel Reis e Mirandela, a solução é o subsídio. Sem isso, a empresa com certeza vai quebrar”, concluiu Vicente.
Muitas mudanças nos últimos dez anos
Em 2013, a Nilopolitana é convocada pelo Departamento de Transporte Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (DETRO) para assumir as linhas 129B (Nilópolis – Central do Brasil) e 516I (Nilópolis – Km 2,5), anteriormente operadas pela empresa Trans1000, que teve suas operações cassadas pelo órgão.
Três anos depois, mais uma intervenção, desta vez da Prefeitura de Nova Iguaçu. A Nilopolitana é convocada para operar 11 linhas das empresas Alto Minho e Niturvia, cassadas pela secretaria de Transportes do município. Ainda em 2016, a Nilopolitana passa a fazer parte do Consórcio Reserva do Vulcão, após uma reestruturação do sistema de transportes em Nova Iguaçu. seus ônibus começaram a receber a pintura nas cores laranja, branco e cinza, padronizadas pela prefeitura.
Em 2017, outra intervenção do DETRO faz com que a Nilopolitana passe a operar a linha 420T (Nilópolis – Barra da Tijuca), após o órgão cassar as operações da Viação Cruzeiro do Sul.
Covid-19 colaborou para venda
Em 2020, a Nilopolitana, assim como outras empresas de ônibus, sofrem com os impactos provocados pela pandemia de Covid-19. Com problemas financeiros, em setembro daquele ano, a diretoria informa ao DETRO que não havia mais condições de operar as linhas anteriormente entregues pelo órgão. Assim as linhas 129B, 420T e 516I são transferidas para a Linave Transportes. O mesmo acontece em 2021 com as linhas 433L, 434L, 717L, 719L, que também passaram a ser operadas pela Linave.
Apesar dos esforços da diretoria, a Nilopolitana não consegue se recuperar e no final de 2022, são iniciadas as negociações que culminaram na incorporação da empresa ao grupo Blanco. O operação é efetivada no primeiro semestre de 2023, quando também, já sob nova direção, a empresa deixa o Consórcio Reserva do Vulcão, e entrega a operação das linhas municipais de Nova Iguaçu à prefeitura local. Atualmente essas linhas são operadas pelas empresas Linave e Vera Cruz.
A nova diretoria também transfere, oficialmente, a sede da empresa para o município de Queimados, onde já havia uma garagem. A sua sede em Nilópolis é vendida e atualmente segue vazia.
Atualmente a Nilopolitana é responsável pela operação das linhas:
- 428I Comendador Soares x Cabral (via Nilópolis / Edson Passos / Nova Iguaçu) antiga linha 716I
- 429I Duque de Caxias x Queimados (via Vilar dos Teles / Nilópolis / Austin)
- 430I Nilópolis x Queimados (via Mesquita / Nova Iguaçu / Austin)
- 001 Mirandela x Cabral (via Rodoviária / Beija Flor / Olinda)
- 002 Rodoviária x Manoel Reis (via Estação de Nilópolis / Parque Gericinó / Praça do Exército)