Em um desabafo comovente, Neguinho da Beija-Flor, uma das figuras mais emblemáticas do Carnaval carioca, compartilhou com os leitores do Jornal O DIA os desafios e a falta de valorização que os intérpretes das escolas de samba enfrentam. Aos 75 anos, após mais de cinco décadas dedicadas à Beija-Flor de Nilópolis, este será seu último ano como intérprete oficial.
A partir de 2026, Neguinho contou que continuará a participar de eventos, como nos camarotes, para complementar sua renda.
“Não posso me aposentar como intérprete. Tenho uma esposa e uma filha de 16 anos e preciso continuar trabalhando para ter uma aposentadoria de classe média. Por isso, a partir do ano que vem, vou buscar remuneração em eventos ligados ao Carnaval, como muitos dos meus amigos já fazem.”
Na entrevista, Neguinho destacou ainda as condições enfrentadas pela classe, que trabalha sob forte pressão e é subvalorizada.
“Os intérpretes são os artistas mais exigidos do Carnaval, assim como os mestres de bateria, mas também os menos valorizados”, declarou. Ele lembrou como, historicamente, os cantores das escolas de samba tiveram sua importância diminuída. “Lá pela década de 60, o samba era puxado por um coro. Inventaram o ‘puxador’ para economizar e, geralmente, era o ‘pretinho da comunidade’ com uma boa voz, mas sem reconhecimento.”
Ele destacou a luta de intérpretes como Jamelão, da Mangueira, para que os puxadores fossem reconhecidos como intérpretes. Para Neguinho, eles deveriam ser tratados como artistas, mas lamentou que a desigualdade ainda persista.
“Hoje, somos intérpretes, mas o reconhecimento ainda é escasso”, reforçou Neguinho.
Ele também criticou a desigualdade nas remunerações:
“Os camarotes faturam alto, com shows de grandes artistas que recebem cachês altíssimos. Enquanto isso, nós, anfitriões da festa, ficamos no zero a zero.”
Ele lembrou momentos difíceis, como quando cantou enquanto enfrentava problemas de saúde:
“Já cantei com ambulância e médico ao lado, durante sessões de quimioterapia.
Fiquei tão debilitado que não consegui participar do Desfile das Campeãs.”
Neguinho da Beija-Flor não esconde sua gratidão pela escola que o projetou para o mundo. Foto: DivulgaçãoPreparação para o dia do desfile
Uma das frases mais conhecidas no mundo do samba é: “Acaba um Carnaval e já começa o outro.” Segundo Neguinho, a vida dos intérpretes é tão agitada quanto essa máxima sugere. Ele revelou que os preparativos exigem dedicação e investimentos durante todo o ano.
“Fazemos sessões de canto, fonoaudiologia, vamos ao pneumologista e tomamos remédios para cuidar da voz. Nós nos cuidamos o ano inteiro para não correr o risco de chegar rouco no Carnaval. E, exatamente por esses cuidados, nos dedicamos cem por cento à escola de samba, sem poder pegar compromissos remunerados fora.”
Neguinho lamenta que, mesmo com tamanha dedicação, os intérpretes ainda enfrentem dificuldades financeiras.
“Já terminei desfile e voltei de metrô com minha mulher e minha filha. Todo mundo fatura no Carnaval, menos os intérpretes. Não é justo que, após 50 anos de dedicação, ainda precise correr atrás de renda para garantir o futuro da minha família.”
Cinquenta anos sem curtir Carnaval na Sapucaí
Neguinho contou que, em todos esses anos como intérprete, nunca pôde aproveitar o Carnaval como espectador. Após o desfile, sua rotina é simples: voltar para casa, muitas vezes de metrô ou carona com sua sobrinha Carol Medeiros.
“Só vejo os desfiles depois, pela televisão. Antes eu não assisto, fico muito nervoso. Uma vez, ao ouvir o samba ‘Papagaio Vintém’, fiquei arrepiado e pensei: ‘Meu Deus, e agora?’. Desde então, prefiro ir direto para a Sapucaí sem assistir antes.”
Apesar das dificuldades e da despedida como intérprete oficial, Neguinho reafirma sua gratidão à Beija-Flor:
“Sou eternamente grato à escola. Foram 50 anos que me fizeram conhecido no mundo inteiro. Mas não posso me conformar em ver meus irmãozinhos intérpretes sendo desvalorizados.”
Com sua decisão de atuar em eventos e camarotes a partir do próximo ano, Neguinho deixa um apelo por mais respeito e reconhecimento para os intérpretes, que, segundo ele, são a alma da folia.
“Minha luta é pelos meus irmãos que dão a vida pela escola e, muitas vezes, passam despercebidos. Um artista que não seja intérprete jamais faria o que nós fazemos.”
Lenda da voz do Carnaval brasileiro
Ao longo de mais de cinco décadas, Neguinho da Beija-Flor construiu uma trajetória inigualável como intérprete oficial da Beija-Flor de Nilópolis, se tornando um dos maiores ícones do samba e do Carnaval brasileiro. Natural de Nova Iguaçu, Luiz Antônio Feliciano Neguinho cresceu cercado pela música e iniciou sua carreira ainda jovem, participando de festivais e destacando-se por sua voz marcante. Em 1976, assumiu o microfone oficial da Beija-Flor e, desde então, tornou-se sinônimo da escola, sendo aclamado por sua habilidade de emocionar o público e conduzir desfiles históricos na Marquês de Sapucaí.
Reconhecido por sua energia e carisma, Neguinho eternizou sambas-enredo que marcaram a festa, como “Aquarela Brasileira” (1979) e “O Mundo É Uma Bola” (1986), unindo força vocal e paixão em cada apresentação. Mais do que um cantor, ele se tornou uma referência para gerações de intérpretes, consolidando o papel desses artistas no desfile das escolas de samba. Sua presença na Avenida vai além da performance musical, simbolizando a alma e a identidade da Beija-Flor, com a qual conquistou diversos campeonatos.
Apesar do sucesso, Neguinho enfrentou desafios ao longo da carreira, incluindo problemas de saúde, como a batalha contra o câncer, que não o afastaram da Avenida. Em 2020, ele celebrou 50 anos de dedicação ao samba, reforçando seu compromisso com a cultura brasileira. Agora, aos 75 anos, o intérprete se prepara para encerrar seu ciclo como voz oficial da Beija-Flor, mas seguirá participando dos eventos da escola.
50 anos de gratidão à Beija-Flor: a história de dedicação e amor ao samba
Neguinho da Beija-Flor não esconde sua gratidão pela escola que o projetou para o mundo. Em seu desabafo, ele celebrou os 50 anos de história com a escola de samba de Nilópolis, lembrando que, graças à Beija-Flor, conquistou reconhecimento internacional.
“Sou eternamente grato à Beija-Flor, pois hoje sou conhecido no mundo inteiro, e isso graças à escola. Sou mais conhecido fora do que aqui”, afirmou, emocionado. Ao longo de sua carreira, Neguinho se dedicou de corpo e alma ao samba e à escola, representando com orgulho a Beija-Flor nas avenidas do Rio de Janeiro.
Apesar das dificuldades que encontrou ao longo dos anos, o intérprete não deixa de reconhecer a importância da escola em sua trajetória. Ele destaca que, embora as lutas e os desafios enfrentados pelos intérpretes sejam grandes, a Beija-Flor sempre foi uma plataforma para seu talento e para o reconhecimento de sua arte. Mesmo com as críticas e as dificuldades financeiras, Neguinho se sente abençoado por sua jornada ao lado da escola e reforça que, embora se afaste das funções como intérprete, sua história com a Beija-Flor nunca será esquecida.
Sua história é uma celebração de resiliência, talento e amor ao Carnaval, deixando um legado eterno para a música e para o samba.
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