Uma nova medida promete transformar a forma como o comércio de alimentos lida com seus excedentes no município de Nilópolis. Sancionada pelo prefeito Abraão David Neto no último dia 20 de junho, a Lei 6861/2025 permite que estabelecimentos do setor alimentício doem seus produtos excedentes — desde que estejam próprios para consumo — sem necessidade de autorização prévia da Prefeitura.
A lei, de autoria do vereador Rafael Santos de Oliveira, foi aprovada por unanimidade na Câmara Municipal e estabelece regras claras: os alimentos devem estar dentro do prazo de validade, em boas condições sanitárias e com propriedades nutricionais preservadas. A única cobrança permitida é a do custo de transporte, desde que haja acordo entre doador e beneficiário.
A medida vem sendo recebida com entusiasmo por alguns, mas ainda levanta dúvidas entre outros.
“É uma vitória para quem luta contra o desperdício e a fome. Agora podemos ajudar famílias que passam necessidade sem esbarrar em tanta burocracia. Muitas vezes, víamos comerciantes com estoque que acabava no lixo por falta de amparo legal para doar. Isso muda tudo”, diz emocionada Rita Campos, presidente de uma organização comunitária local que distribui cestas básicas.

No centro de Nilópolis, quem também comemora a nova legislação é Dona Lúcia Moreira, de 63 anos, moradora do bairro Nova Cidade e frequentadora assídua de uma pequena ONG que distribui alimentos doados por um sacolão local.
“Antes a gente recebia só umas sobras de vez em quando, meio escondido. Agora, tem caixa cheia de fruta boa, verdura fresquinha. E tudo legalizado. É comida que muda o dia, sabe?” conta ela, sorrindo ao lado das sacolas. “Teve uma semana que levei abacate, beterraba e até uva. Nunca pensei que o que iria pro lixo pudesse virar esperança.”
Já do outro lado do balcão, o comerciante Sandro Almeida, proprietário de um supermercado no bairro de Olinda, pondera sobre os desafios práticos da nova lei:
“A intenção é ótima, mas a responsabilidade continua sendo nossa. Mesmo seguindo todas as regras, se alguém tiver um problema de saúde depois de consumir um alimento doado, quem responde?” questiona.
Sandro aproveita para sugerir um aprimoramento à Lei:
“Para que a lei funcione na ponta, seria ideal que o município emitisse um termo de isenção de responsabilidade para os doadores, desde que comprovem o cumprimento das normas sanitárias. Além disso, um canal direto com a vigilância sanitária para orientações e um selo municipal de doador responsável poderiam trazer a segurança jurídica que falta.”
A nova legislação municipal reforça um movimento que ganhou força no Brasil com a Lei Federal nº 14.016/2020, conhecida como Lei do Combate ao Desperdício de Alimentos. Ela autoriza a doação de excedentes em condições seguras e isenta doadores de responsabilidade civil e penal, desde que respeitadas as normas sanitárias. Além disso, entidades como a Anvisa já publicaram guias técnicos para garantir a segurança desse tipo de doação.
Nilópolis também se junta a iniciativas como o Movimento Todos à Mesa, o Pacto Contra a Fome e a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que mostram como a articulação entre governos, empresas e sociedade civil pode transformar excedente em solidariedade.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, por sua vez, publicou em 2022 o Guia nº 57/2022, com orientações práticas sobre a doação de alimentos com segurança sanitária. O documento apresenta critérios técnicos para garantir que o alimento doado esteja próprio para o consumo e serve como referência para doadores, ONGs e poder público. Trata-se de uma ferramenta importante para reduzir riscos e aumentar a confiança de quem quer doar — e de quem precisa receber.
Agora, resta acompanhar como a nova lei será aplicada na prática — e se ela conseguirá equilibrar solidariedade, responsabilidade e segurança jurídica.