Parece notícia antiga, mas não é. Moradores de vários bairros de Nilópolis estão revoltados com a prática dos rolezinhos (passeios em que dezenas de motos rodam juntas cometendo diversas irregularidades), que voltou a assolar o município mais uma vez.
Geralmente, os envolvidos marcam os eventos pelas redes sociais, encontram-se nas ruas e avenidas nas madrugadas, para empinar motos, promover buzinaços, fazer o barulho conhecido como ‘rangangan’ (acelerar a moto ao máximo), entre outros crimes de trânsito. Nas redes sociais circulam vídeos dos motoqueiros passando em diversos pontos de Nilópolis. Nas imagens, percebe-se que muitos jovens, incluindo menores de idade. Apesar de em menor número, é possível também encontrar meninas, que arriscam a própria vida na garupa das motos.
Na Praça Benedito Vaz Vieira, em Nossa Senhora de Fátima, no último dia 30 de agosto, a baderna mais uma vez passou dos limites.
“Isso aqui é inferno. Fica difícil de dormir, conversar com alguém. Você precisa gritar para falar com a pessoa. É uma falta de respeito! E o pior de tudo que esses caras ficam fazendo barulho por toda a cidade e não levam uma multa sequer”, afirmou um morador.
A atitude dos motoqueiros é de descarado deboche contra a cidadania e contra as autoridades, como se vivessem blindados pela impunidade. Na Rua Mário de Araújo, no Centro, o problema não é diferente. José, que é morador de um dos condomínios residenciais da região, relata que o barulho é insuportável.
“Isso é uma doença. Essas motos não deixam ninguém dormir, é uma barulhada só. Assim como eu, ninguém aguenta mais”, contou.
No Cabral a situação é a mesma:
“Você está dormindo e acorda no susto, aí corre para a janela e sente medo com aquela cena”, descreve Luana Barreto, que mora com o filho de 3 anos na rua João Evangelista de Carvalho.
Por sinal, a rua onde Luana mora é uma das rotas utilizadas pelos motoqueiros, que saem da comunidade da Chatuba, em Mesquita e seguem para Anchieta, no Rio. Mas também há outras rotas, inclusive, muitos rolezinhos iniciam em locais bem distantes de Nilópolis. Já foram registrados casos de um mesmo grupo terem passado por bairros das zonas Norte e Oeste do Rio antes de passarem por Nilópolis e até mesmo outros municípios da região metropolitana.
Afinal, quem fiscaliza?
Mapear esses passeios fora de hora é um desafio e tanto para as autoridades. Em geral, o local de partida só é
revelado meia hora antes em grupos de mensagens em aplicativos ou nas redes sociais. Há alguns indicadores de que esses estrondosos eventos caminham sobre uma curva crescente, o que se pode medir pelo congestionamento das linhas do 190, telefone de emergência da Polícia Militar, com queixas de problemas variados associados à prática. Nos primeiros seis meses do ano, foram registradas 1.052 reclamações de disputa de corrida não autorizada, contra 273 no mesmo período de 2023. Transitar em velocidade incompatível, às vezes em locais de concentração de gente, gerou 902 reclamações entre janeiro e junho — nos mesmos meses do ano passado, foram 258.
“Todos têm o direito constitucional de se reunir, mas, se isso produzir impacto na dinâmica da cidade, tem de haver uma comunicação prévia para a preparação do espaço”, esclarece a tenente-coronel Claudia Moraes, porta-voz da PM, lembrando que os rolezinhos por si só não configuram crime e, se respeitarem as regras básicas do bom senso, têm seus contornos culturais.
O Detran-RJ informou que realiza ações de fiscalização de trânsito diárias para coibir, entre outras infrações, a circulação de motos com características adulteradas. O ruído excessivo em escapamentos de motocicletas é passível de multa, de acordo com o artigo 230, inciso XI do Código de Trânsito. Mas o Detran informou que não realiza abordagem de veículos em movimento. Já a Polícia Militar afirma que o serviço de inteligência vem monitorando essas atividades.
Apesar do simples encontro de motociclistas não configurar crime, aqueles que saem em grupo para fazer manobras perigosas, barulhentas e ilegais nas ruas, avenidas e rodovias, esses sim acabam incorrendo em crime. Isso porque, esse tipo de prática pode causar acidentes, mortes, danos ao patrimônio público e privado e perturbação da ordem pública.
Quando essa prática também consiste em empinar motocicleta, é considerada infração gravíssima, como consta no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Além de multa no valor de R$ 293,47, o condutor do veículo pode perder a permissão de dirigir pelo período de 2 a 8 meses.
Uma série de outras irregularidades também pode ser encontrada nos rolézinhos. Desde circular sem capacetes e trafegar na contramão até a adulteração de placas, passando por veículos furtados e roubados.
“Não é só a questão do barulho e da arruaça. Tem muito mais coisa envolvida. Em diversas imagens que circulam nas redes é possível ver que muitas motocicletas circulam sem placas e em operações realizadas já se constatou que no meio do grupo há até mesmo foragidos da Justiça. Isso passou de ser apenas um encontro de jovens para se tornar um verdadeiro deboche às autoridades”, disse o especialista em segurança pública, Josias do Amaral.
Já houve casos de uma viatura da polícia ser cercada por centenas de motos. Segundo a tenente-coronel Claudia Moraes, a orientação nessas situações é que os agentes recuem e informem ao sistema de comando o que está se passando, até para a sua própria segurança.
“Este tem de ser um trabalho de inteligência e planejamento estratégico”, alerta.
Vale lembrar que os moradores da cidade podem acionar a Polícia Militar através do 190 em casos de perturbação da ordem pública ou mesmo em casos de desobediência à Lei do Silêncio, que estabelece limite de horários das 7h às 22 horas e, à noite, em períodos de 22h até 7h. As denúncias podem ser feitas de forma anônima.
Conscientização
Apesar das diferentes respostas, as autoridades concordam que a colaboração entre a população e as forças de segurança é crucial para criar um ambiente mais seguro para todos. Para isso é importante seguir algumas dicas:
- Ao testemunhar um “rolezinho” com manobras perigosas, disque imediatamente 190. Informe sobre a localização precisa e as atividades que estão sendo realizadas. Isso facilitará uma intervenção rápida e eficaz;
- Não incentive comportamentos arriscados: é importante que a população não incentive ou participe de atividades que possam colocar em risco a sua própria segurança e a de outros. Evite se envolver em situações ilegais ou que possam resultar em acidentes;
- Colabore na promoção da conscientização sobre os riscos associados aos “rolezinhos” de moto. Informe amigos, familiares e colegas sobre os perigos envolvidos nessas atividades, destacando as consequências legais e os impactos na segurança pública;
Ao seguir essas dicas, segundo as autoridades, podemos contribuir para a prevenção de atividades perigosas e para a construção de uma comunidade mais segura e consciente.
Como surgiu
Não se sabe ao certo quando e onde o rolezinho, do modo que é conhecido atualmente, tenha começado, porém o termo começou a circular há pouco mais de uma década e ganhou status de vocábulo de dicionário — “é a reunião de um grande número de pessoas que, através de redes sociais ou de mensagens de celular, combinam um encontro num centro comercial, num parque ou noutro local público para passear”, define o Priberam, de português contemporâneo.
O que se sabe é que os primeiros de que se tem notícia eram a pé e tinham como cenário shoppings de São
Paulo, lá por 2013. Em dezembro daquele ano, um deles reuniu 6 mil adolescentes no Shopping Metrô Itaquera, na Zona Leste. Algumas lojas fecharam com medo de saques. O estabelecimento encerrou o expediente mais cedo. Temendo o impacto negativo nas vendas, muitos centros comerciais ingressaram na Justiça para impedir tais eventos. Alguns conseguiram liminares proibindo as reuniões, sob pena de multa de 10 mil reais para quem infringisse a determinação. Mas isso não freou o ímpeto barulhento de uma fatia da população, que agora encontra na ausência de uma ação conjunta para buscar uma solução para o problema.
Foi durante a pandemia que as motocicletas aderiram com tudo aos rolés, o que passou a preocupar ainda mais as autoridades por causa do risco de ocorrências graves envolvendo não apenas os participantes, mas também motoristas e pedestres. Em junho de 2021, doze pessoas ficaram feridas e uma jovem de 26 anos morreu em um acidente com dez motocicletas em uma dessas arriscadas voltinhas noturnas no Arco Metropolitano, na altura de Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Uma delas tombou, provocando a queda das demais. São justamente os jovens, sobretudo das periferias, que mais atendem às convocações para esses peculiares passeios. Está quase tudo registrado em vídeos postados nas redes, inclusive os próprios ocupantes das motos fazem questão de fazer selfies e registrar as manobras.
“Todo mundo sabe que esses encontros provocam transtornos, ninguém tá ali só para passear e curtir a noite. Eles querem chamar a atenção e da pior forma possível. As autoridades precisam tomar medidas urgentes antes que algo pior aconteça”, concluiu o especialista em segurança pública, Josias do Amaral.